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sábado, 10 de março de 2012

A praga moderna







Nossas pestes - que também as temos - podem ser
menos tenebrosas do que as medievais, que nos faziam
apodreceremvida. Mas, mesmo mais higiênicas, destroem. E se
multiplicam, na medida em que se multiplica o nosso stress. Ou
melhor: o stress é uma das modernas pragas. Quanto mais
naturebas estamos, mais longe da mãe natureza, que por sua
vez reclama e esperneia: tsunamis, tempestades, derretimento
de geleiras, clima destrambelhado. Ser natural passou a não ser
natural. Ser natural estáemgrave crise.
O bom mesmo é ser virtual - mas isso é assunto para
outra coluna, ou várias. Porque, se de um lado somos cada vez
mais cibernéticos e virtuais, de outro cultivamos amores
vampirescos, paixões por lobisomens, e somos fãs de
simpáticos bruxos em revoadas de vassouras. Mudaram, os
nossos ídolos. Não sei se para pior, mas certamente para bem
interessantes. Pois nosso lado contraditório é que nos torna
interessantes, em consultórios de psiquiatras, em textos de
ficcionistas. Também na vida cotidiana aquela velhíssima voz do
instinto, voz das nossas entranhas, deixou de funcionar. Ou
funciona mal. Desafina, resmunga, rosna. A gente não escuta
muita coisa quando, por acaso ou num esforço heroico,
consegue parar, calar a boca, as aflições e a barulheira ao redor.
O que somos mesmo, neste período pós-moderno de
que algumas pessoas tanto se orgulham, é estressados. Não
tem doença em que algum médico ou psiquiatra não sentencie,
depois de recitar os enigmáticos termos médicos: "E tem
também o stress". Para alguns, ele é, aliás, a raiz de todos os
males. Eu digo que é filho da nossa agitação obsessivocompulsiva.
Quanto mais compromissados, mais estressados: é
inevitável, pois as duas coisas andam juntas, gêmeas siamesas
da desgraça. Porque a gente trabalha demais, se cobra demais e
nos cobram demais, porque a gente não tem hora, não tem
tempo, não tem graça. Outro dia alguém medisse: "Dona, eu não
tenho nem o tempo de uma risada". Aquilo ficou em mim,
faquinha cravada no peito.
Um dos nossos mais detestáveis clichês é: "Não tenho
tempo". O que antes era coisa de maridos e de pais mortos de
cansaço e sem cabeça nem para lembrar data de aniversário dos
filhos (ou da mãe deles), agora também é privilégio de mulher.
De eficientes faxineiras a competentíssimas executivas,
passamos de nervosas a estressadas, stress daqueles de fazer
cair cabelo aos tufos.
Não sei se calvície feminina vai ser um dos preços
dessa nossa entrada a todo o vapor no mercado de trabalho -
pois ainda temos a casa, o marido, os filhos, a creche, o pediatra,
o ortodontista, a aula de dança ou de judô dos meninos, de inglês
ou de mandarim (que acho o máximo, "meu filhinho de 6 anos
estuda mandarim") -, mas a verdade é que o stress nos domina.
É nosso novo amante, novo rival da família e da curtição de todas
as boas coisas da vida.
Que pena. Houve uma época em que a gente resolvia,
meio às escondidas, dar uma descansadinha: 4 da tarde, a gente
deitada no sofá por dez minutos, pernas pra cima... e eis que, no
umbral da porta, mãos na cintura ou dedo em riste, lá apareciam
nossa mãe, avós, tias, dizendo com olhos arregalados:
"Como??? Quatro da tarde e você aí, de pernas pra cima, sem fazer nada?".
Era preciso alguma energia para espantar os tais
fantasmas. Neste momento, porém, eles nem precisam agir:
todos nós, homens e mulheres, botamos nos ombros cruzes de
vários tamanhos, com prego ou sem prego, com ou sem coroa de
espinhos. São tantos os monstros, deveres, trânsito,
supermercado, dívidas e pressões, que - loucura das loucuras -
começamos a esquecer nossos bebês no carro. Saímos para
trabalhar e, quando voltamos, horas depois, lá está a tragédia
das tragédias, o fim da nossa vida: a criança, vítima não do calor,
dos vidros fechados, mas do nosso stress. Começo a ficar com
medo, não do destino, eterno culpado, não da vida nem dos
deuses, mas disso que, robotizados, estamos fazendo a nós
mesmos.


por Lya Luft
(Veja ed 2141, p28)

2 comentários:

  1. Oi Helena... Graça e Paz! A postagem é muito pertinente, pois o cristão tem vivido um misticismo e esfriamento espiritual! Estou passando também para dizer que estarei indicando seu blog nos meus sites favoritos! Dedico também os dois primeiros selos que recebi 'Blog de Ouro' e 'Minha Nota é 10 pra VC'! Fica com Deus!

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  2. Muito obrigado meu irmão e amigo! fico muito feliz e agradeço por me indicar, Glória a Deus por isso. Também quero lhe dizer que a minha nota pra vc é miiillll! Que Deus continue te abençoando em nome de Jesus! mais uma vez lhe agradeço! Graça e Paz e fique com Deus!

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